quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Vagueando num hospital



Entropia do meu Universo

 

    Quando estamos num hospital horas a fio por dia, todos os dias, todos os minutos se alongam, todas as horas parecem infindáveis, toda a noção de tempo comum se altera. Parece que este tipo de infraestrutura tem uma capacidade física de perturbar a entropia do Universo e o conceito temporal subjacente.

Nunca gostei de hospitais, passei demasiado tempo aqui em rotinas, acidentes e imprevistos, gostava até de já ter a minha conta de tempo despendido nestas instituições encerrada. O ambiente em si é mórbido, o ar é denso, como se o cansaço, a depressão, a monotonia e a frustração se dissolvessem no ar, viajando pelos corredores e contaminando todo o centímetro cúbico de ar.


    É triste vaguear pelos corredores, deixar os olhos fugir para os quartos e ver o vazio no rosto de muitos aqueles que apenas aguardam a morte, o cansaço da dor, da solidão, do desconforto, do fim da sua vida como a conhecia. A esperança é rara ver-se nestes locais, não é imune a tudo o que é administrado nem aos desinfectantes do bloco, os doentes desistem quando as juras que lhes foram feitas estão perdidas no tempo e quando as promessas parecem demasiado longínquas para serem concebíveis. Pior do que isso é talvez o silêncio da solidão que permanece apesar do ruído das máquinas, dos auxiliares e até mesmo os gritos do desespero. Este silêncio, este vazio que ronda as pessoas, dá demasiado tempo para pensar àqueles que só se focam nas dores, no adaptar ao desconfortável.
     Fico horas a pensar no que poderia estar a fazer, onde poderia estar a dormir com quem poderia estar a falar, penso um pouco em tudo, e a depressão apodera-se de mim como se eu nada pudesse fazer contra isso. Faz falta alguém que anime os corredores, que dê um exemplo de alegria para que isso sirva de contágio ou para que, pelo menos, provoque ciúmes ou saudades àqueles que já não se lembram de a sentir.
De certo modo, é bom ter este tempo para pensar, para explorar a minha infelicidade, para compreender o âmago da solidão tão patente em mim. Tenho tempo para reflectir sobre aquilo que fiz, o que faço e o que vou fazer. Por muito depressivo que se possa revelar esta análise, sinto que é importante verificar os meus pontos críticos e as minhas potenciais deficiências.


     Sou jovem, são poucos os anos (considero) que já celebrei, mas a idade é um número e eu sinto-me bem mais velha, bem mais esgotada, como se o tempo me pesasse mais a mim do que aos comuns mortais, e sempre que rastreio a alma que ainda me está acessível, sinto que desperdiço todos os segundos que me são dados, como se não aproveitasse a juventude para cometer os meus erros crassos e as minhas fatalidades emocionais e acredito que perco muitas oportunidades de aprender e de experimentar na pele. Já há algum tempo que tenho interiorizado uma necessidade de me abrir e de me permitir a arriscar e a cometer os erros típicos de uma jovem, bem como outros erros aleatórios que não sei se se enquadram exactamente numa faixa etária, daí que tenho tentado mudar a minha postura ao máximo, ser mais aberta com as pessoas, deixar que as pequenas coisas fluam e tenho sido estratega. Por vezes é necessário manipular alguns meios de forma a chegar a um fim desejado e é isso que tenho feito, mesmo que isso implique mentir, ludibriar pessoas e fingir sentimentos e estados de espírito. Tenho concluído que mais importante do que os outros somos nós e aquilo que sentimos e, por isso, não tenho sentido remorsos por ser uma bela ilusionista e por usar alguns peões para me divertir e usufruir de algumas vantagens, seja na faculdade, no trabalho, seja na vida social.
 
     A minha vida não é fácil - eu que vivo apenas uma realidade, uma consciência desde que me lembro, apenas posso avaliar aquilo que experiencio com base no que sinto, no que o dia-a-dia me provoca e concluo, de forma até deprimente , que a minha vida piora a cada segundo que respiro, como se qualquer fracção de tempo passa fosse já demais – e não gosto nem de a encarar nem de me esforçar em vão por modifica-la. 

    Gosto de acreditar que cada um traça o seu destino, mas há momentos em que me é difícil crer nisso, parece que tudo se alinha no sentido de me molestar.

5 comentários:

  1. A minha história será diferente, quando fiz visitas hospitalares me mentalizei para todos os problemas, à custa de fortes emoções. Um dia estive no lugar contrário mês e meio. Como entrei em como e saí em semi coma em estado (dito terminal). Deu tudo certo e depois, fiquei a sorrir, porque dei um chute na irmão. Como que a dizer que o sistema é errada. DANIEL MILAGRE, como nik do meu blog principal, é a recordar o raro feito. Noutro blog, o TOP SECRET OLAVO, Há o vídeo de uma participação na televisão a falar do caso,
    Já agora TOP SECRET ESTÁ, na editora e será o meu nono livro, depois do feito, Que se prolongou por seis anos.
    Abraço

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  2. Há lugares e situações que deprimem. Deixamo-nos contaminar pelo que os olhos pensam ver e por sentimentos que atribuímos a terceiros. Nem tudo corresponde ao que, equivocadamente, desenhamos. O que escrevemos no livro de nossas vidas depende de nossa disposição, de nossos acertos e erros. Muitas vezes encontramos alguém que pensamos estar em sofrimento profundo e acabamos recebendo, dessa pessoa,estímulo e esperança. Tratar o dentro é fundamental para se conviver com a realidade.
    Obrigada pela visita, que me proporcionou conhecer seu espaço.

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  3. Bom dia

    Em primeiro lugar, agradecer a amabilidade de ter feito uma visita ao meu modesto blogue e aderido ao mesmo. Na sequência do seu comentário, tive curiosidade de conhecer quem é "um louco qualquer" e passei uma vista de olhos por "cartas para mim".
    Benvinda ao mundo da blogosfera. Não prometo que seguirei com assiduidade o seu blogue porque não tenho tempo, mas não deixarei de dar uma espreitadela sempre que possível.
    Desejo as maiores felicidades.

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  4. Olá, vim agradecer sua visita aos meus blogs e os maravilhosos comentários que deixou. Volte sempre aqueles cantinhos são nossos.
    Parabéns pelo post, muito reflexivo e interessante.
    quero me referir como você se denomina. Acho que todos nós somos um pouco louco, se assim não fôssemos não suportaríamos viver neste mundo louco.
    Abraços, fica na paz.

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  5. Obrigado pelo comentário.
    Quanto aos tratos que a vida nos dá e às partidas que nos prega nada a fazer. A vida é mesmo isso os encontro desencontrado comigo e com os outros. Mas a vontade de mudar não se pode deixar pelos corredores da angústia e menos pelos sombrios olhares vazios da desesperança.

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